DEZ
ANOS SEM GILDO - UM CEGO DE VISÃO
Uma cidade pequena no
interior de Pernambuco. Seu nome: Lagoa dos Gatos.
Na década de 20, uma jovem se
apaixonou por um rapaz. Ela era de prendas domésticas, e ele, iniciante na
profissão de barbeiro.
Antônio Joaquim da Silva e Guilhermina Soares
da Silva era o nome do casal.
Do casamento nasceram cinco
filhos, na seguinte ordem: Maria do Carmo, Gildo, Neusa, Givaldo e Vilma Soares
da Silva.
A Família reunida |
Antônio Joaquim da Silva,
chefe da família, era um homem muito honesto e trabalhador e tinha um grande
mérito: sabia fazer amigos e era muito bem humorado.
Sua esposa, Guilhermina
Soares da Silva, era tímida e reservada. Mas tinha uma grande virtude: o amor à
família com dedicação total à cultura e à educação. Assim ela orientou seus filhos
à leitura e aos estudos.
Em 28 de fevereiro de 1930,
um acontecimento abalou a família: Nasceu com auxílio de uma parteira, como era
comum naquela época, o segundo filho de Dª Guilhermina, Gildo Soares da Silva, com
uma deficiência visual diagnosticada como glaucoma congênito, que consiste no
aumento da pressão intraocular, atingindo o nervo ótico, provocando a cegueira.
A doença se agravou e ele foi
levado ao Recife, para uma consulta com o Oftalmologista. O diagnóstico não
deixou dúvida, nem esperança. Aos sete anos estava totalmente cego.
Apesar do desespero,
aconteceu um milagre. Gildo aceitou com altruísmo e grande dignidade a condição
de deficiente visual. Nunca reclamou desta situação e já na adolescência
começou a fazer pequenos trabalhos. Fazia carros de brinquedos para seu irmão
mais novo, empalhava cadeira e fazia gaiolas. Assim ele ficou aproximadamente
até os 26 anos, quando um acontecimento mudou sua vida.
No livro didático do
primário, pertencente ao seu irmão Givaldo Soares, o Professor Renato Sêneca
Fleury, de Ribeirão Preto, escreveu um texto sobre os cegos, o qual demonstrava
que, através do sistema Braile, era possível o deficiente visual ler, escrever,
se educar e, por meio do trabalho, se realizar como cidadão.
No final da lição o citado Professor
teve o cuidado de mostrar graficamente como funcionavam os seis pontos do
sistema Braile e colocou, ainda, o endereço dos Institutos dos Cegos do Rio de
Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.
Esta lição mudou a vida de Gildo.
Esta é a grandeza da educação e da leitura.
Sua mãe leu o texto para
Gildo, que resolveu reproduzir o alfabeto Braile, usando sementes de paquevira.
Foi pregando em uma tábua, reproduzindo todo o alfabeto em alto relevo para ser
usado pelo seu próprio tato. Assim, ele fez seu próprio alfabeto em Braile visando
se auto alfabetizar. E o milagre
aconteceu!
Dona Guilhermina, sua mãe,
escreveu para os institutos dos cegos do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São
Paulo, para obter mais informações sobre o sistema Braile e a educação dos
cegos.
Recebeu do Instituto dos Cegos
de Minas Gerais, além das informações solicitadas, livros, cadernos, tabuadas e
regrete.
Doutor Jorge, diretor do Instituto
de Belo Horizonte à época, sendo um homem ligado à educação dos deficientes
visuais, forneceu endereço do Instituto dos Cegos do Recife e aconselhou a
mãe a levar Gildo para iniciar sua educação especial.
Gildo chegou ao Recife em
1957, aos 27 anos. Era autodidata e já dominava a matemática, português,
geografia e história.
Quando o Sr. Zacarias,
diretor do Instituto dos Cegos de Recife, perguntou se Gildo sabia ler e escrever,
minha mãe disse que além de ler e escrever em Braile, sabia também matemática e
português, o que causou uma grande admiração ao diretor. O referido diretor aconselhou
Gildo a fazer o exame de admissão. Além deste, fez também tiflologia e
datilografia.
Gildo com os colegas do Instituto |
Gildo ficou em Recife sozinho
e sua mãe voltou para Lagoa dos Gatos.
Foi um momento dramático, os
dois sofreram muito. Era um rompimento de uma convivência diária de mais de 27
anos. Mesmo assim, Gildo não se deixou abater.
Estudava com afinco, foi
aprovado no exame de Admissão e no colégio Padre Félix, fez o básico e o
clássico e depois o vestibular para cursar Serviço Social, na Universidade Católica.
Um fato relevante na vida de
Gildo: Como era muito perfeccionista, ao terminar o curso secundário, não se
sentiu preparado para enfrentar o exame vestibular.
Seu irmão Givaldo, em uma
viagem ao Recife, tomou conhecimento de sua decisão, e convenceu Gildo a fazer
o vestibular, como um treinamento para ganhar experiência. Foram juntos à
Faculdade de Direito e Serviço Social, em busca dos programas para o
vestibular. Faltavam apenas quatro meses para o exame.
Gildo fez opção pela carreira
de Serviço Social e foi aprovado em 4º lugar. Concluiu seu curso em 1980.
Foi contratado pela
Secretaria de Educação, como Assistente Social e foi o primeiro Cego em
Pernambuco a exercer o referido cargo. Sua missão na Secretaria de Educação era
nobre. Preparar e treinar os cegos para o aproveitamento no mercado de
trabalho.
Além desta grande vitória,
foi professor de música teórica do Instituto dos Cegos de Pernambuco. Profundo
conhecedor do método Braile, foi reconhecido pela Sociedade Brasileira de
Deficientes Visuais, que lhe concedeu uma medalha como “Brailista” do ano,
reconhecendo seu notório saber neste método e seu esforço para difundi-lo no
Nordeste e Norte do Brasil.
Gildo escreveu dois livros: “Sorobã
para todos” e “Abrindo janelas”. O primeiro aborda assuntos relativos à
Matemática e Aritmética, e o segundo, a sua visão da vida.
Gildo com o filho, Gabriel |
Uma grande vitória de Gildo
foi seu encontro com Severina Maria do Nascimento Soares, que depois de um
grande amor, tornou-se sua esposa e companheira. Da união nasceu o anjo Gabriel,
seu único filho. Severina era também professora de Braile e uma permanente
incentivadora do seu marido.
Gabriel, Gildo e Severina |
Gildo era um Cego de grande
visão. Era, ao mesmo tempo, um educador, um cidadão e um filósofo. Ouvia mais
do que falava.
Seu pai Antônio Joaquim da
Silva foi quem melhor o definiu. Usava apenas uma palavra. Quando alguém o
elogiava pela sua inteligência, pelo amor ao trabalho e pelo conhecimento do
método Braile, seu pai afirmava: “Gildo
é um homem”.
Givaldo
Soares
Grande Gildo!!!
ResponderExcluirm palavras para comentar, trabalhei com ele e realmente,foi um dos melhore braillista que pernambuco conheceu!!!obrigada grande e inesquecível professor GILDO SOARES, UM HOMEM!!!
ResponderExcluirGildo foi (é) uma figura muito marcante, diferenciado, ímpar, indefinível! Feliz de quem pode conviver com ele e aprender de alguma forma o seus ensinamentos!
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