sexta-feira, 8 de julho de 2011

UMA GERAÇÃO DE PREDADORES

Por Olavo de Carvalho (no Diário do Comércio, 03 de junho de 2011)

Desde que me distanciei do Brasil, tenho visto a inteligência dos meus compatriotas cair para níveis que, às vezes, ameaçam raiar o subhumano. Não posso medi-la pela produção literária, que veio rareando até tornar-se praticamente inexistente num país que já teve alguns dos melhores escritores do mundo.

Meço-a pelas teses universitárias que me chegam, cada vez mais repletas de solecismos e contra-sensos grotescos, pelos comentários de jornal, pelos pronunciamentos das chamadas “autoridades” e, de modo geral, pelas discussões públicas.

Em todo esse material, o que mais salta aos olhos não é o vazio de ideias, não é a estupidez dos raciocínios, não é nem mesmo a miséria da linguagem: é a incapacidade geral de distinguir entre o essencial e o acessório, o decisivo e o irrelevante. Não há problema, não há tema, não há assunto que, uma vez trazido ao palco – ou picadeiro –, não seja infindavelmente roído pelas beiradas, como se não tivesse um centro, um significado, um sentido em torno do qual articular uma discussão coerente.

Cada um que abre a boca quer externar apenas algum sentimento subjetivo deslocado e extemporâneo, exibir bom-mocismo, angariar simpatias ou votos, como se tratasse de uma rodada de apresentações pessoais num grupo de psicoterapia, e não de uma conversa sensata sobre – digamos – alguma coisa.

A coisa, o objeto, o fato, o tema, este, coitado, fica esquecido num canto, como se não existisse, e depois de algum tempo cessa mesmo de existir. A impressão que me sobra é a de que toda a população legente e escrevente está sofrendo de síndrome de déficit de atenção. Ninguém consegue fixar um objeto na mente por 10 segundos, a imaginação sai logo voando para os lados e tecendo, embevecida, um rendilhado de frivolidades em torno do nada.

Se me perguntarem quais são os problemas essenciais do Brasil, responderei sem a menor dificuldade:

1) A matança de brasileiros, entre quarenta e cinquenta mil por ano;

2) O consumo de drogas, que aumenta mais do que em qualquer país vizinho, e que alguns celerados pretendem aumentar ainda mais; mediante a liberação do narcotráfico – o maior prêmio que as Farc poderiam receber por décadas de morticínio;

3) A absoluta ausência de educação num país cujos estudantes tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais, concorrendo com crianças de nações bem mais pobres; num país, mais ainda, onde se aceita como ministro da Educação um sujeito que não aprendeu a soletrar a palavra “cabeçalho” porque jamais teve cabeça, e onde se entende que a maior urgência do sistema escolar é ensinar às crianças as delícias da sodomia – sem dúvida uma solução prática para estudantes e professores, já que o exercício dessa atividade não requer conhecimentos de português, de matemática ou de coisa nenhuma exceto a localização aproximada partes anatômicas envolvidas;

4) A falta cada vez maior de mão-de-obra qualificada de nível superior, que tem de ser trazida de fora porque das universidades não vem quase ninguém alfabetizado;

5) A dívida monstruosa acumulada por um governo criminoso que não se vexa de estrangular as gerações vindouras para conquistar os votos da presente, e que ainda é festejado, por isso, como o salvador da economia nacional;

6) A completa impossibilidade da concorrência democrática num quadro onde governo e oposição se aliaram, com o auxílio da grande mídia e a omissão cúmplice da classe rica, para censurar e proibir qualquer discurso político que defenda os ideais e valores majoritários da população, abomináveis ao paladar da elite;

7) A debilitação alarmante da soberania nacional, já condenada à morte pela burocracia internacional em ascensão e pelo cerco continental do Foro de São Paulo (aquela entidade que até ontem nem mesmo existia, não é?);

8) A destruição completa da alta cultura, num estado catastrófico de favelização intelectual onde a função de respiradouro para a grande circulação de ideias no mundo, que caberia à classe acadêmica como um todo, é exercida praticamente por um único indivíduo, um último sobrevivente, que, em retribuição, leva pedradas e cuspidas por todo lado, especialmente dos plagiários e usurpadores que vivem de parasitar o seu trabalho.

Se me perguntam a causa desses oito vexames colossais, digo que é a coisa mais óbvia do mundo: quarenta anos atrás, as instituições que se gabam de ser as maiores universidades brasileiras lançaram na praça uma geração de pseudo-intelectuais morbidamente presunçosos, que na juventude já se pavoneavam de ser “a parcela mais esclarecida da população”.
Hoje essas mentes iluminadas dominam tudo – sistema educacional, partidos políticos, burocracia estatal e por aí vai –, moldando o país à sua imagem e semelhança.

Matança, dívidas, emburrecimento geral, debacle do ensino, é tudo mérito de um reduzido grupo de cérebros de péssima qualidade, intoxicados de ideias bestas e vaidade infernal. Dentre todas as gerações de intelectuais brasileiros, a pior, a mais predatória, a mais destrutiva.

Se querem saber agora por que os temas fundamentais não podem ser enxergados e discutidos na sua essência, por que as atenções são sempre desviadas para detalhes laterais e por que, em suma, nenhum problema neste país tem solução, a resposta também não é difícil: quem molda os debates públicos, por definição, é a elite dominante, e esta não permite que nada seja discutido, exceto nos moldes do seu vocabulário, dos seus interesses, da sua agenda, da sua irresponsabilidade psicótica, da sua ambição megalômana, da sua auto-adoração abjeta.

Enquanto vocês não perderem o respeito por essa gente, nada de sério se poderá discutir no Brasil.

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