terça-feira, 21 de agosto de 2018

EU SOU O SAMBA! EU SOU O FUTEBOL! NÓS SOMOS O BRASIL!


Diz o samba: - Sou africano, cheguei ao Brasil há muitos séculos, em navios negreiros, a serviço da escravidão. Foi duro, houve choro e ranger de dentes. Trabalhei sem renumeração, massacrado, humilhado e ofendido, como em “os miseráveis”, de Victor Hugo. Foi a fé no candomblé e a cultura que me salvaram.
Cantávamos, dançávamos a capoeira para não enlouquecer e não esquecer as raízes africanas.
Depois veio a "libertação", fui para a Bahia e depois para o Rio de Janeiro, meu berço original. Lá ocupei os morros, as favelas e os botecos, onde me apresentaram a feijoada e a cachaça. Formamos um trio de ouro de nossa cultura e de nossas festas, e aí foi fácil conquistar os salões, as avenidas e a burguesia.
Hoje, sou o maior espetáculo da terra, juntamente com os desfiles das escolas de samba.
O samba pergunta ao futebol: - De onde você veio com tanto orgulho?
- Vim da Europa, sou filho de um país orgulhoso e que já dominou o mundo: a Inglaterra.
- E como você chegou ao Brasil? Também nos navios negreiros?
- Não. Cheguei em 1894, a bordo de um navio luxuoso de cruzeiro, por iniciativa de um estudante brasileiro, filho de Ingleses, chamado Charles Miller. Trouxe a bola e as regras do jogo. Espalhei na elite paulista e inglesa, residentes nessa época em São Paulo.
- E o primeiro jogo, como foi? - Foi na Várzea do Carmo, em São Paulo. Você não era nem nascido, diz o futebol.
O samba protesta: - Eu já existia na alma dos brasileiros, com o maxixe, o miudinho e o olodum, quando aqui cheguei com a escravidão. Fiquei escondido nas senzalas e só em 1917 resolvi mostrar a minha cara, com o samba de Donga "Pelo telefone". Logo fui chamado pelo Chefe de Polícia para dar explicações. Mas, malandro velho, lá não fui!
- Como você tomou conta do Brasil? - Foi fácil. Saímos de São Paulo e fomos para o Rio de Janeiro, depois tomamos conta do Brasil. É bom frisar que o jogo nesta época pertencia só à elite, depois chegou ao povo e surgiram os campos de pelada nas várzeas de todo o Brasil.
- Houve preconceito contra vocês?  Pergunta a música. - Sim. Houve, da mesma maneira que houve com você. Existia uma lei da vadiagem, pela qual era punido quem jogava bola nas ruas ou tocava violão à noite, tomando cachaça, principalmente os pretos.
Quanto ao preconceito é bom citar Albert Einstein, que disse: - É mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito.
A música faz um desafio ao futebol: Pede que ele faça um comparativo em relação à sua glória.
O futebol não se faz de rogado e diz que sua glória não cabe nem em um livro.
- Fui cinco vezes campeão do mundo. Ganhei meu primeiro jogo internacional em 1914. Depois fui campeão Sul-americano de 1919 e 1922. Meu primeiro ídolo foi um mulato, chamado Artur Friedenreich, filho de um Alemão com uma mulher negra do Brasil.
Depois de tanta banca a música propõe que se tire a dúvida de quem foi mais importante para o Brasil, em “uma linha do tempo”, de 1930 a 1970.
A música resolveu mostrar todos os seus valores, procurando assim humilhar o futebol. Lembra que de 1930 a 1950 foi sua época de ouro, e mostra ao futebol seus compositores, letristas e instrumentistas: Ari Barroso, Orestes Barbosa, Noel Rosa, Lamartine Babo, João de Barros, Mário Reis, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Carmem Miranda, Luís Americano, Benedito Lacerda, Dante Santoro, Luperce Miranda e Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana).
O futebol reconhece seus erros e faz uma autocrítica: - Não fomos bem nas Copas de 30 e 34. Partimos para a primeira Copa com jogadores cariocas e apenas um paulista. Fomos desorganizados e perdemos. Na Copa de 34, a disputa entre Rio e São Paulo agravou-se, em virtude do profissionalismo que não foi aceito por todos.
Mas, em 1938, começamos a mostrar nosso valor na França, com o desempenho de Leônidas da Silva, que foi o melhor jogador e artilheiro da Copa, com sete gols. Foi considerado “homem borracha” e o melhor executor da bicicleta, uma jogada criada por Petronilo. Podemos citar também Domingos da Guia, conhecido como o “divino mestre”, que jogou no Brasil, no Uruguai e na Argentina. Nesta época, se destacaram outros valores do futebol brasileiro.
A música retruca: - Nós somos mais criativos que vocês. Temos o choro, nosso pai-avô. O baião, a música nordestina, a bossa nova e o tropicalismo. Tudo isso, de certo modo com influência do samba.
O futebol lembra à música: - No período de 12 anos, de 1958 a 1970, em que fui três vezes campeão do mundo, nenhum outro país conseguiu essa façanha.
Mas a música lembra ao futebol: - Ao meu lado está o carnaval, que é a maior festa do Brasil, e talvez do mundo. Com os trios elétricos e o olodum na Bahia, o frevo em Pernambuco e o samba no Rio de Janeiro.
Mas, o futebol não se dá por vencido, e lembra à música um fato de grande expressão: a popularidade de Pelé, considerado o melhor jogador do mundo. Mais popular que o próprio Papa.
A música ri e lembra ao futebol que uma andorinha só não faz verão.
O futebol mostra a injustiça dessa expressão e lembra à música que não era apenas uma andorinha. Eram muitas: Didi, Zizinho, Domingos da Guia, Leônidas da Silva e Garrincha. Lembra também um fato histórico pouco conhecido pelos brasileiros: Pelé e Garrincha, jogando juntos na seleção disputaram 40 partidas e nunca perderam.
O choro, avô do samba, que é o gênero musical mais velho, preocupado com as divergências entre o samba e o futebol, faz um apelo dramático (quase chorando), lembrando que os dois são as maiores expressões culturais nossas, que colocaram o Brasil no topo do mundo.
O choro propõe uma trégua e pede a Valdir Azevedo para executar o choro de Pixinguinha “1x0”, que foi composto para homenagear os campeões sul-americanos de 1919. E propõe também um jogo simbólico entre a música e o futebol. Uma pelada, com muita cachaça, uma roda de samba e feijoada.
O choro assume o compromisso de apitar a partida e ainda levar as pastoras de Ataulfo Alves, as mulatas e as “marias chuteiras” de todo o mundo.
O time do futebol brasileiro entra em campo com a seguinte formação: Gilmar, Djalma Santos, Mauro, Nilton Santos, Zito, Clodoaldo, Didi, Garrincha, Zizinho, Pelé  e Canhoteiro.
O time da música brasileira era composto por João Gilberto, Ataulfo Alves,  Noel Rosa, Pixinguinha, João da Baiana, Ari Barroso, Tom Jobim, Orestes Barbosa,  Sílvio Caldas, Orlando Silva e Villas Lobos.
O choro reconhece, com tristeza, que no momento tanto a Música Popular Brasileira como o futebol não atravessam um bom momento. 
Mas lembra: - O samba e o futebol agonizam, mas não morrem!

Givaldo Soares
(Cirurgião Dentista)